Experimentações
Neste momento, as análises já estão documentadas e diversas
decisões foram tomadas. Até agora, o processo ocorreu através de reuniões e
discussões entre artista e produtor. A próxima fase começa a fazer uso de áudio
no estúdio e/ou técnica. Versões são gravadas para se testar tonalidade e andamento,
estudar complexidade e alternativas.
É uma espécie de ensaio da gravação e da mixagem, para que
músicos e técnicos possam testar arranjos, formas e variações, retirando
qualquer dúvida ainda existente após as análises. Ao mesmo tempo, são
realizadas algumas gravações que serão úteis durante o desenrolar do processo.
O registro original da composição (em áudio) pode ser
utilizado como base para as versões experimentais, economizando-se tempo.
Por questões de agilidade, o próprio produtor ou outra
pessoa da equipe pode tocar alguns instrumentos ou mesmo cantar nas versões
guias. Neste caso, o artista não deveria se sentir "traído" de
maneira alguma.
Na verdade, se o compositor não é exatamente um bom
intérprete, sua música seria muito melhor valorizada se interpretada por outros
músicos. Outras vezes, a formação original da banda pode ser modificada durante
as gravações, para o bem da música - este sempre é o objetivo maior. Existem
excelentes músicos de estúdio que não desempenham bem ao vivo e vice versa.
Ser um artista é muito mais do que entregar uma boa
performance: composição, imagem pública, presença de palco, visual, histórico,
carisma – aspectos não necessariamente relacionados à produção musical.
As experimentações são uma oportunidade de testar o
entrosamento da equipe e a confiabilidade de equipamentos e processos. Já que a
qualidade do áudio não é prioridade, a equipe pode se concentrar na mensagem
musical.
Durante os experimentos, traçar o contorno emocional da
música é outro recurso valioso. O contorno emocional indica graficamente como
as informações musicais entram e desaparecem ao longo da música. Está bastante
conectado ao arranjo, à Teoria da Informação e à Teoria Gestalt. Que emoções e
com que intensidade cada sessão da música oferece? O contorno é estável e
cansativo ou apresenta variações, picos e respiros interessantes?
Rapidamente, a quantidade de testes pode se tornar grande e,
assim, é muito importante documentar todas as versões: data, equipamentos
usados, principais variações, duração, andamento, tonalidade, forma, letras,
harmonia, reações dos ouvintes.
Com os recursos atuais, facilmente o áudio pode ser picotado
e misturado com outros elementos para agilizar os testes, como batidas
diferentes, estilos modernos e antigos, elementos originais ou datados, timbres
criativos ou clássicos. Se o artista ainda não possui uma identidade musical,
este é um bom momento de construí-la.
Quando ouvimos Santana, reconhecemos que é Santana. The
Police, Dire Straits, Steely Dan, Iron Maiden, Elvis Presley, Bach, Jack
Johnson e Norah Jones. São todos exemplos de grande personalidade musical que
muitas vezes surgiram de experimentações.
É cada vez mais difícil se criar uma identidade musical. Um
melhor caminho talvez seja encaixar-se em um estilo ou nicho de mercado. Mais
uma vez, as referências se tornam grandes aliadas: “gostaria que soasse como
U2", "adoro a percussão daquela música do Jethro Tull",
"queria um ritmo marcante como Down on The Corner do Creedence". As
referências ajudam a equipe a eliminar alternativas, a compreender as intenções
do artista. Além disso, auxiliam o público a se identificar com faixas e
artistas, aceleram a adoção de músicas.
Durante esta fase, é muito prático e eficaz utilizar
programação MIDI, bibliotecas de loops e samplers. Timbres e ritmos podem ser
alterados e "votados" pela equipe. Convide amigos e desconhecidos
para testes de audição para ter uma boa idéia do que a música está passando,
antes que as horas de estúdio sejam agendadas.
A mensagem está clara? Soa como plágio ou lugar comum? É
muito alternativo, de difícil digestão? Qual a primeira reação do público?
A primeira reação pesa muito no sucesso de uma música.
Infelizmente, ela tende a desaparecer para aqueles envolvidos na produção, cada
vez que escutam a música mais uma vez.
Ao final das experimentações, o produtor deverá ter
diagnosticado profundamente alguns critérios como: clareza, simplicidade,
ênfase, coerência, especificidade e repetição - elementos importantes, embora
inconscientes, para a percepção (e avaliação) dos ouvintes.
Durante os experimentos, deve-se tomar o cuidado para que o
artista não considere as versões-teste como uma produção final. Por várias
vezes tive dificuldade para explicar ao cliente que aquilo que ele estava
ouvindo não deveria ser julgado como produção finalizada, pois ainda estávamos
na pré-produção. Timbres que soam como karaokê, notas fora de tempo, loops e
efeitos “baratos” somente estão ali para o estudo de possibilidades.
É uma questão de recursos: por que gastar tempo buscando o
melhor timbre na sua biblioteca de loops ou quantizando todas notas no groove
se provavelmente aquilo não será reaproveitado? No entanto, é preciso um mínimo
de “realismo” para que se possa comunicar a proposta.
Para cada versão, faça um mixdown do áudio e salve a sessão
do seu software com um nome diferente. Envie o áudio para o artista (ou
produtor) e peça para ele comentar. Ele pode usar o áudio para gravar outro
instrumento por cima, editar a forma, testar vocais.
Por diversas vezes acabei utilizando 90% do tempo total de
uma produção para a pré-produção. Essa é a hora de explorar instrumentos e
idéias que estão engavetadas. É muito provável que, em algum momento, a equipe
se manifestará: “É isso!”. Uma descoberta, um detalhe, que parece dar forma à
música, clareando a visualização do resultado final. Este estalo de descoberta
e confiança tende a ocorrer várias vezes durante a produção, preste atenção
neles pois podem resolver grandes problemas. Agora é hora de fazer uma
gravação-guia!
Gravação-Guia
Naturalmente, todas as experimentações e as várias gravações
realizadas durante a pré-produção caminham para uma gravação-referência, um mix
que resume todas as ideias e contém uma estrutura candidata à forma final. Esta
será a versão final da pré-produção.
Às vezes, esta gravação-guia consegue atingir um resultado
tao bom (artístico e técnico) que passa a fazer parte do CD demo
(demonstração), do EP ou mesmo do LP do artista*. Principalmente quando não há
orçamento para se seguir adiante com a produção, ou quando é importante uma
rápida divulgação.
(*EP e LP no sentido de quantidade de faixas, provavelmente
o formato será CD ou arquivo digital MP3 para download)
O CD demo deverá incluir de 3 a 5 canções. O repertório
deveria representar o artista da melhor maneira possível – estilo,
versatilidade e técnica.
Uma demo é útil na divulgação do artista para rádios, casas
de show, editoras, selos, produtores, investidores. O problema é que centenas
de CDs são enviados diariamente para estes caçadores-de-talentos e acabam
esquecidos numa grande pilha. Quando escutados, podem ser rapidamente
descartados se os primeiros segundos da música principal não se mostram
interessantes e muito bem produzidos.
É por isso que, hoje em dia, uma demo está mais para uma
produção final do que para uma gravação-guia.
Na fase das gravação-guia, melhor seria seguir adiante,
acabar a produção de sua música e só então lançar o CD demo, que certamente
terá mais chances de se destacar!
Com a gravação-guia em mãos, é fácil envolver outras
pessoas, expor o trabalho para gravadoras e receber críticas. No final do dia,
a guia comunica as intenções do artista e da equipe de produção, permitindo que
selos e editoras tenham uma boa idéia do potencial da canção.
A gravação-guia, bem como toda a documentação que a
acompanha, pode ser utilizada pelo compositor (intérprete ou banda) para
gravar, mixar e masterizar em um momento futuro, em outro estúdio ou cidade,
preferencialmente com participação do mesmo produtor.
Eventualmente, até com outra equipe de produção. Se uma
gravadora se interessar pela música, ela poderá oferecer adiantamentos,
financiar os custos de produção, fornecer estúdios e técnicos e até mesmo
interferir diretamente na produção (afinal, está pagando).
Neste momento, a pré-produção está finalizada e irá garantir
uma produção sem grandes falhas ou frustrações. É hora de seguir para o
estúdio. Na fase de captação, artistas e técnicos podem se concentrar na
performance. Com a pré-produção concluída, gastarão menos tempo e dinheiro
dentro das salas de gravação, atingindo resultados surpreendentes.
Utilize a gravação-guia para avaliar a Pré-Produção, afinal,
todas as decisões e informações musicais estão contidas nela. Quantos
musipontos você daria? ( musipontos, fora abordados na parte I )
Se ainda não considera que atingiu 2 dos 3 pontos, que tal
gastar um pouco mais de tempo antes de iniciar as sessões de gravação? Procure
testar outros arranjos. Lembre-se que retirar elementos costuma ser mais
eficiente do que adicionar.
A música está longa ou curta? Tem um foco claro ou muitas
coisas interessantes ao mesmo tempo que podem confundir o ouvinte? A composição
é boa, se sustenta sozinha ou exige muito da produção?
( na próxima parte veremos: "Captação de Bases".
fonte: Dennis Zasnicoff
fonte: Dennis Zasnicoff
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