segunda-feira, 19 de março de 2018

O que define nossa PREFERÊNCIA MUSICAL




Dentre os estilos de músicas ocidentais, do clássico ao pop, algumas combinações de músicas são consideradas mais prazerosas que outras. Para a maioria dos ouvidos, um intervalo de  C–G  (dó- com sol), que seria uma 5ª justa por exemplo, soa muito mais agradável do que a dissonante combinação entre C e F# (dó e  fá#), que seria uma 4ª aumentada.

Por décadas, neurocientistas vêm ponderado se essa preferência é de alguma forma gravada em nossos cérebros. Um novo estudo do MIT e da Universidade de Brandeis sugere que a resposta é não.
Numa pesquisa com mais de 100 pessoas pertencentes a uma remota tribo amazônica, com pouca ou nula exposição à música ocidental, os pesquisadores relataram que intervalos dissonantes como o de C e F# (4ª#) foram classificados tão agradáveis quanto acordes “consoantes”, que apresentam índices simples e íntegros entre as frequências acústicas das duas notas.

“Esse estudo sugere que a preferência pela consonância à dissonância depende da exposição para a cultura musical ocidental, e que a preferência não é inata, ” diz Josh McDermott, um professor do Departamento de Neurociência do MIT.

McDermott e Ricardo Godoy, um professor da Universidade de Brandeis, coordenaram a pesquisa, que foi publicada pela Nature no dia 13 de julho. Alan Schultz, um professor de antropologia médica na Universidade de Baylor, e Eduardo Undurraga, um pesquisador sênior da Escola de Brandeis Heller de Política Social e Administração, também estão no estudo.

Consonância e dissonância
Por séculos, alguns cientistas pensavam que o cérebro é programado para responder favoravelmente à acordes consonantes como o quinto (chamado assim porque uma de suas notas é cinco notas acima que as outras). Músicos em sociedades pouco mais antigas que os gregos, notaram que no quinto e outros acordes consonantes, a proporção de frequências das duas notas é geralmente baseada em números inteiros – no caso da quinta, uma proporção de 3:2. A combinação de C e G é geralmente chamada de “quinta justa” (5ªJ).

Outros acreditam que essa preferência foi culturalmente estabelecida, como um resultado à exposição a música com acordes consonantes. Esse debate tem sido difícil de resolver, principalmente porque hoje em dia existem poucas pessoas que não estão familiarizadas com a música ocidental e seus acordes consonantes.

“É muito difícil encontrar pessoas que não têm muita exposição à música pop devido a sua difusão ao redor do mundo, ” diz McDermott. “A maior parte das pessoas ouvem muito à música ocidental, que têm vários acordes consonantes. Entretanto, tem sido difícil descartar a possibilidade de que nós gostamos de consonância porque estamos acostumados, mas também é difícil fornecer um teste definitivo. ”

Em 2010, Godoy, um antropólogo que tem estudado uma tribo amazônica conhecida como Tsimane por anos, pediu a colaboração de McDermott no estudo acerca da resposta da tribo à música. A maioria dos Tsimane, uma sociedade agrícola e de forrageamento com cerca de 12.000 pessoas, têm uma exposição muito limitada à musica ocidental.

“Eles variam muito um quão perto vivem de cidades e centros urbanos” disse Godoy. “Entre os mais velhos que vivem bem longe, há vários dias de distância, eles não têm muito contado com a música ocidental. ”

A música própria dos Tsimane combina apresentações cantadas e instrumentais, mas geralmente de uma pessoa por vez.

Grandes diferenças
Os pesquisadores fizeram dois conjuntos de estudo, um em 2011 e outro em 2015. Em cada pesquisa, eles pediram aos participantes para avaliarem o quanto eles gostam de acordes dissonantes e consonantes. Os pesquisadores também realizaram experimentos para ter certeza de que os participantes podiam estabelecer a diferença entre sons dissonantes e consoantes, e eles podiam.

A equipe realizou o mesmo teste com um grupo de bolivianos falantes de espanhol que vivem numa cidade pequena perto dos Tsimanes, e com residentes da capital boliviana, La Paz. Eles também testaram grupos de músicos e de não-músicas americanos.

“O que nós descobrimos é que a preferência por consonância à dissonância varia drasticamente entre esses cinco grupos, ” diz McDermott. “Nos Tsimanes é indetectável, e nos dois grupos da Bolívia, há pouca preferência, mas estatisticamente significante. Nos grupos americanos a diferencia é um pouco maior, e é maior entre os músicos do que entre os leigos.

Quando pedidos para avaliar sons não-musicais, como risadas e suspiros, os Tsimanes mostraram respostas similar a dos outros grupos. Eles também mostraram o mesmo desapreço à uma qualidade musical conhecida como rugosidade acústica.

As descobertas sugerem que a preferência por acordes consoantes é mais cultural do que biológica, diz Brian Moore, um professor de psicologia da Universidade de Cambridge, que não estava envolvido na pesquisa.


“No geral, os resultados deste estudo emocionante e bem concebido sugerem claramente que a preferência por certos intervalos musicais de quem está familiarizado com a música ocidental depende de exposição a que a música, e não em uma preferência inata para certos índices de frequência,” escreveu Moore em um comentário no artigo da Nature.
Por Anne Trafton
Publicado no MIT

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