Já indo direto ao assunto, seria o "Trítono" o intervalo
musical do Diabo?
Uma dos maiores mitos no ensino da música está relacionado
ao intervalo de quarta aumentada (ou quinta diminuta), um intervalo de três
tons chamado "trítono" (o intervalo correspondente entre dó e fá
sustenido, por exemplo). Este intervalo tem uma proporção de 45:32 e,
justamente por isso, é percebido pelo ouvido como uma dissonância. Além disso,
foi chamado de "diabolus in musica". E aí é que começa a
desinformação.
O diabo é aquele que divide (dia-bolus; o oposto seria
sim-bolus, união). Como o trítono é o intervalo que divide a oitava em duas
partes idênticas, e ainda é uma dissonância, acabou ganhando essa denominação
imagética, uma representação puramente simbólica e filosófica.
Pois o discurso infundado e desinformante que vigora por aí
carrega vários equívocos, preconceitos, imprecisões e até mesmo mentiras, as
quais serão desvendadas agora. Resta saber se tal desinformação foi plantada
conscientemente ou foi apenas uma anedota que ganhou ares de verdade.
A primeira é que "o intervalo de quarta aumentada
recebeu o nome de 'diabolus in musica' na Idade Média.
Há sérias divergências entre os autores sobre quando esse
nome surgiu. As referências à expressão "diabolus in musica" datam do
início do século 18, com Fux, Telemann, entre outros compositores e teóricos.
Denis Arnold, no New Oxford Companion to Musics, sugere que o apelido foi
aplicado por Guido D'Arezzo, no período medieval. O Dicionário Grove de Música
afirma que foi no Renascimento e Grout e Palisca, no História da Música
Ocidental, sequer associam o monge beneditino à famosa expressão "mi
contra fa est diabolus in musica". De fato, não encontramos referência a
essa frase no próprio tratado musical de Guido D'Arezzo, o
"Micrologus". O "A Performer's Guide To Renaissance Music",
de Kite-Powell, afirma que a frase é uma citação latina e não lhe atribui
autoria. Portanto, não é impossível que esse apelido tenha realmente sido
cunhado por teóricos medievais, mas está longe de ser uma certeza.
Outra mentira é que o trítono foi proibido pela Igreja
durante a Idade Média. O fato é que não há nenhum registro que prove que
executar o intervalo de trítono era proibido.
Nas 165 páginas da ata do Concílio de Trento (1545-1563), no
qual encontramos reflexões sobre toda a prática religiosa até antão, há apenas
um parágrafo bastante genérico que orienta, de maneira subjetiva, a evitar-se
as práticas musicais que possam atrapalhar o culto, referindo-se mais em
relação à polifonia com dezenas de vozes, que impedia a boa compreensão do
texto, do que com questões técnicas e teóricas. Aí também não há absolutamente
nada contra o trítono.
"Bandiscano, poi, dalle chiese quelle musiche in cui,
con l’organo o col canto, si esegue qualche cosa di meno casto e di impuro; e
similmente tutti i modi secolari di comportarsi, i colloqui vani e, quindi,
profani, il camminare, il fare strepito, lo schiamazzare, affinché la casa di
Dio sembri, e possa chiamarsi davvero, casa di preghiera."
A verdade é que esse intervalo não era executado de maneira
regular, pois não havia o costume, o hábito, o uso que foi adquirido com o
advento do acorde e, mais tarde, do sistema tonal. A Idade Média musical é
caracterizada pela monofonia (apenas uma linha melódica), tal como toda a
tradição do cantochão, e por ser o primórdio da polifonia, uma música bastante
simples harmonicamente, como os organuns, as salmodias e os discantus.
Ainda assim, existem inúmeros exemplos de trítonos melódicos
mesmo em cantos gregorianos (música sacra ritualística!). A grande compositora
Hildegard von Bingen (1098-1179), que além de compositora era monja beneditina,
mística, teóloga, compositora, pregadora, naturalista, médica, poetisa,
dramaturga e escritora e correspondia-se regularmente com reis e papas
(malditos medievais machistas!) e os mestres da ars antiqua Leonin e Perotin
também escreveram trítonos. Na música de Perotin, muitas vezes o trítono era
usado e considerado uma consonância imperfeita, espécie de quinta anômala.
É evidente que o uso do trítono era comedido e as
dissonâncias eram tratadas com extrema parcimônia até mesmo na polifonia mais
complexa da ars nova, até porque a harmonia vai se tornando mais complexa
gradualmente e, com o advento do tonalismo, o trítono então é definitivamente
incorporado ao sistema, dentro de sua estrutura acórdica mais essencial: o
acorde maior com sétima menor, posteriormente chamado de "dominante".
A pior mentira de todas é a que afirma que "milhares de
compositores foram jogados nas fogueiras da Inquisição por tocarem o intervalo
de trítono". É inacreditável que muitos professores afirmem isso sem
sequer corarem (eu mesmo já o fiz, pois havia aprendido assim).
Mais uma vez, não há nenhum registro histórico de compositor
que fora condenado à morte pela Inquisição por tocar um trítono, nem nos livros
de História da Música nem nos estudos históricos sobre a Inquisição na Idade
Média, como no ótimo "A Inquisição", de Michael Baigent. Os
compositores da tradição gregoriana, Hildengard, Perotin, Leonan, nenhum
compositor ou instrumentista morreu na fogueira. Isso é vergonhosamente falso,
é uma afirmação tão boboca e fantasiosa que chega a ser ridícula. Se durante
séculos o trítono foi usado com parcimônia (mas foi usado!), não foi por causa
de uma proibição autoritária da Igreja Católica, muito menos sob a cruel
punição do coitado do compositor ser lançado à fogueira, mas simplesmente
porque não era um elemento estético e técnico efetivamente incorporado ao
sistema da época.
Por fim, há um grande equívoco em considerar o trítono um
ataque à tradição. O trítono é a própria tradição! Ele é a base da tensão da
dominante com sétima, a força motriz do movimento harmônico da tonalidade.
"O trítono é a pimenta (tempero) de Deus para a música."
Se algum músico medieval lançasse mão apenas de trítonos, ele não seria condenado à fogueira, apenas cairia em descrédito, não seria ouvido, passaria fome e ficaria com a pecha de mau músico. Já na modernidade, vemos alguns compositores usando o trítono indiscriminadamente, alegando que com isso estão "revolucionando" a música, o que faz com que sua música seja ardida e não saborosa, e ninguém a escute, mas ainda assim, estes compositores são tratados como gênios inquestionáveis.
"O trítono é a pimenta (tempero) de Deus para a música."
Se algum músico medieval lançasse mão apenas de trítonos, ele não seria condenado à fogueira, apenas cairia em descrédito, não seria ouvido, passaria fome e ficaria com a pecha de mau músico. Já na modernidade, vemos alguns compositores usando o trítono indiscriminadamente, alegando que com isso estão "revolucionando" a música, o que faz com que sua música seja ardida e não saborosa, e ninguém a escute, mas ainda assim, estes compositores são tratados como gênios inquestionáveis.
Eu mesmo já ouvi de professores essa história de que se o
sujeito tocasse um trítono ele iria para a fogueira, mas compreendi na hora o
seu caráter anedótico e não levei a sério. Acontece que, pesquisando na
internet, pude constatar a quantidade de publicações que afirmam isso como fato
histórico certo e verdadeiro (sem nunca citarem fontes, claro). Os links abaixo
exemplificam esse verdadeiro desastre pedagógico do ensino musical brasileiro:
http://mundoestranho.abril.com.br/ma…/o-que-e-o-som-do-diabo
http://www.descomplicandoamusica.com/tritono/
http://www.superquadranews.com.br/tritono-o-intervalo-do-d…/
https://www.youtube.com/watch?v=zhzybHTgIPc
http://www.descomplicandoamusica.com/tritono/
http://www.superquadranews.com.br/tritono-o-intervalo-do-d…/
https://www.youtube.com/watch?v=zhzybHTgIPc
etc, etc, etc...
Já na Wikipedia em inglês (e em outros sites estrangeiros) a
história está bem explicada:
http://en.wikipedia.org/wiki/Tritone
http://en.wikipedia.org/wiki/Tritone
Um artigo em perfeita consonância com a tese de que o
trítono não era proibido na Idade Média coisa nenhuma é este, de Margo
Schulter, no qual ele desvenda o uso do trítono da Idade Média à Renascença,
sem dúvida o melhor artigo sobre o assunto: http://www.medieval.org/emfaq/harmony/tritone.html
Ou seja, esse disparate se tornou verdade apenas nas
publicações diletantes do Brasil (e em algumas aulas superiores de harmonia
ministradas por professores anti-cristãos), por conta de um certo preconceito
disseminado contra a Idade Média. O curioso é que esse mito do trítono é usado
tanto por militantes pregam contra o rock'n roll, por exemplo. Por isso a
desmistificação dessa história é tão urgente. Pelo bem do ensino musical
brasileiro, pelo bem da Verdade e pelo bem dos jovens estudantes de música.
Seguindo essa linha de pensamento, você já ouviu essa
história: o músico Robert Johnson vendeu sua alma para o demônio. Em troca,
ganhou talento e sucesso. A negociação ocorreu em uma encruzilhada no interior
do Mississipi – até hoje, garantem crentes e céticos, cruzamentos são um ótimo
lugar para fazer comércio com o coisa ruim.
Bem, se o pai do blues fez mesmo a transação arriscada, não
adiantou muita coisa. Ele foi um artista itinerante, que andava de cidade em
cidade tocando em esquinas, espeluncas e clubes decadentes nos sábados à noite.
Pouco foi valorizado como artista em vida, e morreu em 1938, aos 27 anos –
segundo a versão mais aceita, após um gole de uísque envenenado por um dono de
boteco, que morria de ciúmes de sua esposa e achava que ela tinha um caso com o
músico.
O mito de Johnson nasceu, na verdade, em outra encruzilhada,
da cultura americana com a cultura alemã: é o mito de Fausto. Na mesma época em
que o músico negro – pobre e filho ilegítimo – fundava um dos gêneros mais
importantes da música popular dos EUA, o autor alemão Thomas Mann começava a
idealizar sua obra-prima: o romance Doutor Fausto, história de um
compositor que (adivinha só!) vende a alma para o tinhoso em troca da máxima
realização artística.
Ambos são versões, uma erudita e uma popular, da história de
um alquimista que viveu na Alemanha no século 15. Dá para passar mais um tempão
falando de todas as encarnações do mito fáustico – como o 100% brasileiro Grande
Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa – mas não será tão legal quanto explicar o
demônio na música do ponto de vista matemático: será que há mesmo algo de
demoníaco no blues (ou em qualquer outro tipo de música)?
Um lenda urbana popular entre músicos diz que há, e dá uma
explicação 100% matemática para isso. Corre por aí a história de que um
determinado intervalo musical, chamado trítono, é o próprio som do inferno, tão
dissonante que não podia (por um decreto assinado pelo Papa em pessoa!)
aparecer nas partituras de música sacra durante a Idade Média.
Um intervalo musical é, em bom português, uma combinação de
duas notas diferentes. Você pode testar vários deles mesmo se não souber tocar
nenhum instrumento: vá a um piano de estação de metrô, escolha duas teclas
aleatórias (não muito distantes entre si) e toque ambas ao mesmo tempo. Algumas
dessas combinações vão soar super bem. Outras, nem tanto.
O trítono é o intervalo que você ouve na abertura da
música Black Sabbath –
que está no álbum Black Sabbath, da banda Black Sabbath. Quem achar o
metal em questão heavy demais também pode ouvir o trítono no comecinho de Purple Haze, de Jimi
Hendrix. Ou na abertura
dos Simpsons (ouça as notas mais graves do piano no segundo 0:16). O
bichinho aparece até em Garota de Ipanema –
mas aí ele dá as caras em uma substituição de acordes que não é tão óbvia,
então vamos passar batido.
São todas músicas muito diferentes entre si – e com exceção
da do Black Sabbath, nenhuma soa particularmente demoníaca. Isso acontece
porque, na música, não existem intervalos do céu e do inferno, só intervalos
mais consonantes e intervalos mais dissonantes. Os primeiros são
simpáticos e bonitinhos. Os segundos são tensos, criam desequilíbrio. Um usa
camisa polo e tênis Lacoste, o outro é repleto de tatuagens. E ambos são úteis
em qualquer música.
O trítono, no caso, é um líder punk anarquista. E isso é
mesmo culpa da matemática. Acontece o seguinte: você sabe se um intervalo é
rebelde ou não olhando as frequências das duas notas que o compõe. Dá para
fazer um trítono, por exemplo, com um dó (C) e um fá sustenido (F#). O dó tem
261,6 Hz. O fá sustenido, 369,9 Hz.
Agora é só dividir o maior pelo menor e você chegará a
aproximadamente…
Que, você aprendeu na escola, são os primeiro dígitos de um
número infinito chamado…
Ou seja: a relação entre as duas frequências é um número tão
quebrado que sequer tem fim – um irracional, semelhante ao Pi (π).
Agora faça a mesma coisa com um intervalo que é consonante,
como dó (C) e sol (G), que tem 391.9 Hz. A divisão vai dar um inocente 1,5
(3/2). Um número comportado, com finitude. Uma fração bom moço (por dissonante
que soe a discordância de gênero aqui).
Isso é uma regra: quanto mais louco o resultado da divisão,
mais o intervalo machuca os nossos ouvidos. Agora vamos fazer um exercício mais
maluco ainda: transferir as proporções acima para uma referência visual. No
caso, dimensões de folhas de papel.
A folha do trítono parece familiar? Não é coincidência.
Acontece que a relação entre as frequências que formam esse tipo de som é
exatamente a mesma que rola entre os lados de uma folha de papel A4.
O que deixa no ar uma pergunta: porque esse intervalo, que
na forma sonora é tão incômodo, assumiu o formato de uma folha de papel e tomou
conta do mundo? A explicação é simples: ele pode ser dividido no meio, e o
resultado serão duas folhas menores, mas de proporções idênticas à original. A
ilustração abaixo explica bem:
O trítono é o único intervalo capaz de dividir uma oitava (a
famosa sequência ‘dó, ré, mi etc.”) em duas partes exatamente iguais do ponto
de vista matemático.
E ele também pode ser dividido ao meio mais uma vez: dois
trítonos sobrepostos formam um acorde chamado diminuto. Por incrível que
pareça, essa dupla não tem o som do apocalipse: dá para perceber direitinho
quando um fá sustenido diminuto aparece em What a Wonderful World.
Preste atenção em 1:31, momento exato em que ele aparece. Ele nada mais é que
uma transição, que empurra a canção para outro acorde, mais estável.
O blues tem uma característica curiosa: todos os seus
acordes têm sétimas menores, o que significa, na língua dos leigos, que todos
eles carregam um trítono. É isso que dá ao estilo parte de sua angústia
característica – nada mais adequado para expressar a dor dos escravos
americanos no século 19. Não havia nada de demônio em Robert Johnson, portanto:
ele só transformou em música a história de gerações de trabalho forçado.
Outros estilos de música popular, é claro, também têm
acordes com um trítono. A diferença é que eles não aparecem o tempo todo.
Quanto à igreja como já comentei, bem, não há registro
histórico de que ela realmente tenha proibido essa combinação. De fato, o músico Adam Neely tirou
do fundo do baú uma canção de mosteiro do auge do feudalismo em que o dito cujo
dá as caras sem medo de ser feliz.
Segundo ele, um dos primeiros registros do termo
latino diabolus in musicaaparece só no século 18, pelas mãos do teórico Johann
Fux. Ele não se referia ao trítono – na verdade, desaconselhava arranjadores a
colocarem duas vozes cantando notas muito próximas entre si (no caso, mi e fá).
A razão não era religiosa, apenas prática: além da combinação ser desagradável
aos ouvidos em certas situações musicais, também é muito difícil acertar o tom
de sua própria nota quando outros membros de um coral estão cantando notas
muito próximas.
De fato, o trítono (assim como a segunda menor formada por
mi e fá) é um intervalo incômodo de cantar e tem potencial para desafinar,
então é mesmo bem provável que ele não tenha sido recomendado por especialistas
ao longo da história da música – tudo se resume a um problema técnico, sem
participação do tinhoso. Pode tocar Tritono à vontade: você não vai para
o inferno (rs)
Colossenses 1:16 "pois nEle foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele."
Romanos 1:36 "Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém."
Tiago 1:17 "Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação."
Colossenses 1:16 "pois nEle foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele."
Romanos 1:36 "Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém."
Tiago 1:17 "Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação."
Ps: Continuarei o assunto, relacionando o tal a Escala Pentatônica.
#Tritono
Formidável esse seu post!
ResponderExcluirParabéns pelo post! Bravíssimo.
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