A blindagem é praticamente uma unanimidade nos fóruns de lutheria na internet.
Com ela, tudo ficou fácil, pois qualquer problema com ruídos no instrumento é prontamente solucionado com um bom revestimento de material condutivo na cavidade de parte elétrica.
E a explicação é muito simples (e bonita de se ler): a blindagem gera uma gaiola de Faraday no instrumento, evitando interferências externas e, por consequência, qualquer tipo de ruído.
Achei estranha e fascinante a facilidade com que a blindagem resolve todos esses problemas, mas algumas perguntas não saíam da minha cabeça:
1- Qual a origem dos ruídos do instrumento?
2- Por que o instrumento sofre interferências de ruídos externos?
3- Como a blindagem funciona?
4- O que é e como funciona uma gaiola de Faraday?
Essas perguntas me levaram a uma outra, que julguei mais importante: O que é e como funciona um captador?
Mas, diante de tantas perguntas, uma coisa é certa: a blindagem apresenta resultados positivos, porém apenas sob certas condições. O problema é que, quem decide fazer uma blindagem no instrumento, normalmente atira no que vê e acerta o que não vê.
Vamos começar a entender o problema, dando respostas às perguntas acima:
1- Qual a origem dos ruídos do instrumento?
Normalmente, ruído no instrumento tem 4 causas principais: baixa qualidade do captador, problemas no aterramento do circuito elétrico do instrumento, problemas no aterramento do circuito elétrico do equipamento utilizado e problemas no aterramento do circuito elétrico do próprio imóvel.
Existe uma quinta causa, que é o caso dos single coils. Muitos fazem blindagem certos de que o ruído dos single será eliminado. Isso jamais acontecerá.
O hum gerado por esses captadores é proveniente da própria concepção: bobinas simples geram ruídos. Com ou sem blindagem. A única maneira encontrada para eliminar o ruído do single coil foi eliminar o próprio captador. Em 1956, Seth Lover descobriu que uma segunda bobina cancelava o ruído de um captador de bobina simples. Foi assim que surgiu o humbucker. Acreditar que uma simples blindagem elimina ruídos de single coil significa cuspir em todo o trabalho pesquisado e desenvolvido por Seth Lover.
2- Por que o instrumento sofre interferências de ruídos externos?
Os ruídos externos (quem nunca ouviu falar de amplificadores que transmitem jogos de futebol?) acontecem da mesma maneira para qualquer equipamento exposto a uma grande interferência. Por exemplo: ligue uma televisão e um liquidificador ao mesmo tempo.
Se houver chuviscos na televisão, é muito provável que qualquer outro equipamento de áudio ou imagem também tenha sido afetado. Nesse caso, também é muito provável que o problema esteja no circuito elétrico do imóvel, como fios de baixa qualidade ou aterramento ineficiente. Em outras palavras, na grande maioria das vezes, problemas com ruídos significam problemas com aterramento. E não vai adiantar blindar a televisão.
3- Como a blindagem funciona?
A versão popular é que a blindagem gera uma gaiola de Faraday no instrumento. Essa gaiola funciona como um isolante de interferências externas, impedindo que qualquer ruído entre no circuito da guitarra. Mas na verdade, a blindagem funciona como um mega aterramento no instrumento, pois a camada de material condutivo que reveste a cavidade da parte elétrica e dos captadores propicia um escoamento gigante dos negativos dos captadores para o negativo do jack e para o terra da ponte.
A fórmula mágica é a seguinte: quanto mais os negativos dos captadores conseguirem “sair” da guitarra (através do negativo do jack e do terra da ponte), melhor. A única coisa que a blindagem faz é facilitar esse tráfego de negativos pelo instrumento.
4- O que é e como funciona uma gaiola de Faraday?
“Gaiola de Faraday é a designação pela qual se tornou conhecida uma experiência efectuada por Michael Faraday, em 1836, para demonstrar que uma superfície condutora electrificada possui um campo eléctrico nulo no seu interior. Isso acontece porque as cargas se distribuem de forma homogénea na parte mais externa da superfície condutora, deixando de haver manifestação de fenómenos eléctricos no seu interior.”
Uma definição rápida é dada no site:
http://quartzodeplasma.wordpress.com/2012/10/30/blindagem-eletrostatica/
http://quartzodeplasma.wordpress.com/2012/10/30/blindagem-eletrostatica/
“A gaiola de Faraday é um invólucro metálico que impede a entrada ou a saída de um campo eletromagnético.”
Assista ao vídeo, no link abaixo, e preste bastante atenção na demonstração de um experimento sobre a gaiola de Faraday:
Dois pontos importantes devem ser observados:
1- Para que a gaiola surta efeito, é imprescindível que o objeto emissor ou receptor de ondas eletromagnéticas esteja realmente localizado no interior da gaiola. Apenas dessa maneira, ele estará isolado do meio externo.
No caso da guitarra, o objeto emissor de ondas eletromagnéticas é o captador e ele não está dentro da gaiola de Faraday, já que a blindagem fica abaixo do captador.
2- Se a gaiola de Faraday funcionasse, seria neutralizada imediatamente com o contado das mãos nas cordas ou na ponte do instrumento. Todo o isolamento gerado pela gaiola de Faraday seria rompido e o nosso próprio corpo seria o novo condutor de todo tipo de interferências para os componententes elétricos da guitarra.
Se repararnos no vídeo apresentado, veremos que o celular fica completamente incomunicável apenas enquanto o professor não encosta nele. A partir do momento em que o professor toca no aparelho, ele passa a funcionar normalmente, ou seja, passa a receber os sinais eletromagnéticos, mesmo estando dentro da gaiola. Isso acontece porque, ao ser tocado com as mãos do professor, o próprio se torna uma antena para o celular, recebendo as ondas eletromagnéticas e repassando para o aparelho. No caso do instrumento, ao encostar nas cordas, o músico anularia a função da gaiola de Faraday, pois ele seria a antena que receberia as ondas eletromagnéticas e as enviaria fisicamente (através do contato com as partes metálicas, dos fios e das soldas) para o interior do instrumento.
Mais um ponto importante: a gaiola de Faraday só funciona com emissores ou receptores de ondas eletromagnéticas. Os potenciômetros não são nem uma coisa, nem outra. A blindagem na cavidade da parte elétrica não vai “limpar” o sinal para que ele seja passado adiante. A blindagem não limpa sinais. Ela anula sinais.
Mas, se não existe gaiola de Faraday no instrumeto, por que a blindagem funciona?
Para responder essa pergunta, precisamos entender o que é e como funciona um captador.
O captador é, antes de qualquer coisa, um dispositivo gerador de eletricidade com corrente alternada.
De uma maneira superficial, é formado por uma bobina e imãs que podem estar na parte interna ou logo abaixo da bobina.
É gerador de corrente alternada porque os pulsos elétricos, gerados na mesma velocidade de vibração da corda, ora caminham para uma direção (uma das 2 pontas do fio da bobina), ora caminham para a direção oposta (a outra ponta do fio).
O fio que é designado positivo é conectado ao terminal positivo do jack e o fio negativo é conectado ao terminal negativo do jack.
Porém, o amplificador não faz um aterramento pleno do negativo do captador, sendo necessária a adição de um fio que leva esse negativo para a ponte do instrumento. Quando encostamos nas cordas, todos os ruídos cessam. Isso acontece porque nós somos o verdadeiro terra do instrumento. Ao encostar nas cordas, todo excesso de negativos existente no circuito elétrico saltam para as nossas mãos.
Quando são usados fios de baixa qualidade, os negativos não são completamente transportados para o aterramento da ponte e sobram no circuito elétrico, gerando os indesejáveis ruídos.
A blindagem funciona como uma espécie de piscinão, impedindo que haja acúmulo de negativos no circuito do instrumento.
Quando nos preocupamos em planejar a parte elétrica e utilizar fios de alta condutividade e estanho de alta qualidade, os negativos dos captadores são transportados corretamente para a ponte e para o jack do instrumento, transformando qualquer blindagem em redundância.
A blindagem acontece por que, ao invés de ser refeita toda a parte elétrica com componentes adequados, o indivíduo reveste todas as cavidades do instrumento com material condutivo, imaginando estar criando a gaiola de Faraday, quando, na verdade, está intensificando o sistema de aterramento do instrumento, só que da maneira errada.
Para terminar este texto, deixo uma última pergunta, para reflexão:
Por que uma guitarra custa alguns milhares de reais, utiliza acessórios caríssimos e tecnologias que nem imaginamos, mas não possui uma simples blindagem?
Gibsob Les Paul Standard
Gibson Les Paul Studio
Gibson Thunderbird Nikki Sixx
Fender reedição 56
Imagine os ruídos externos como uma "chuva". Na chuva, até um guarda-chuva pequeno é melhor do que nada...
Tenho teles e stratos e as teles sempre foram menos ruidosas que as stratos. Isso é devido à estrutura metálica da ponte, que isola parcialmente o captador dali e à capa metálica do captador do braço. Há redução de ruído - fato observado há mais de 50 anos - e obviamente a blindagem nem de longe é uma gaiola fechada.
Temos que nos lembrar que captadores geram um sinal baixíssimo, que ao ser amplificado, carrega consigo os ruídos próprios e captados. Quando blindamos uma guitarra, eliminamos uma porcentagem dos ruídos externos captados e as notas soam mais limpas, principalmente no sustain, pois a nota gerada pela corda tem um decaimento, mas os ruídos não. E isso me leva ao próximo item:
Quanto ao mito da blindagem alterando o timbre:
Já falei aqui que a presença de metal nas proximidades de um captador gera um fenômeno físico conhecido como indutância, que por sua vez degrada o sinal captado das cordas, principalmente as frequências mais altas. A blindagem acrescenta uma (muito) pequena indutância e portanto uma (muito) pequena degradação dos agudos. Porém, ao reduzir os ruídos, ela revela harmônicos até então camuflados, aumentando a percepção de "clareza" do timbre.
Portanto, o resultado final de qualquer blindagem com um mínimo de eficiência é sempre positivo em relação ao timbre.
PS2:
O principio do aterramento é importante e deve ser bem compreendido: o aterramento (e não só nas guitarras) visa descarregar o potencial elétrico acumulado nas partes de metal - isso evita que o nosso corpo receba uma (des)carga elétrica/choque (que pode ser desde imperceptível até, muito raramente, mortal) e que essa energia induza ruído/"sujeira" no sinal elétrico gerado pelo captador devido à vibração das cordas. Todas as partes metálicas da guitarra (inclusive a blindagem se existir) devem estar em contato entre si. Por exemplo, as tarraxas com as cordas, essas com a ponte, a ponte, através de um fio condutor, geralmente até a carcaça do potenciômetro de volume (quase todos os pontos de drenagem de aterramento fluem para o pot de volume) e daí finalmente (também através de um fio condutor) para o jack de saída, que joga tudo no condutor terra do cabo.
A eletricidade está em toda parte :)